20091018

A Máquina do Futuro.

Era um homem que com todo seu intelecto, dor e suor construiu a máquina da sua vida, e com ela pôde finalmente prever o futuro. Via seus anos voarem através de uma tela de 12' e se deslumbrava com todas as emoções que ainda estavam por vir através de 7 neurosensores milimetricamente grudados em sua cabeça e coluna cervical. Havia uma trama bem definida em RGB por uma explosão de pixels diante de seus olhos, não seguia cronologia e muito menos eram longas as suas manifestações. Mas estavam lá e aquele era o seu futuro. Mesmo assim ele sonhava, especulava e planejava, pois ainda tinha a esperança de que a partir de uma lacuna ainda não exibida nas suas sessões matinais pudesse recolorir sua vida, nem que o custo fosse a destruição definitiva de sua criatura mais preciosa. Decidido: traçou seus desejos, definiu suas prioridades, ambiciou sem medos um destino. E o futuro chegou, e com ele uma certeza: sua criação não era capaz de acompanhar sua evolução natural, sua metamorfose simples e necessária. Falhou em sua missão e foi desligada. Hoje, seu já velho criador pode ser encontrado onde há poucos sonhou estar e onde jamais nenhum pixel jamais pensou em passar perto.

20091010

Duelo.

As vezes, é melhor não esperar muito do adversário. Por mais que esteja se preparando para a dificuldade, para o desafio, para surpresas e mesmo alguns ossos quebrados, no fim, você pode apenas apanhar mais uma frustração para o seu ranking.

20091008

Cordeiro.

Café fraco e muito açúcar. Pupila dilata. Não o suficiente. As pegadas e carcaças do fim de semana ainda sedimentam em minha mente. E lá vão, e devem, ficar cuidadosamente guardadas. Chove lá fora. Não o suficiente. Voraz como um cão raivoso, o café liquidei. Jamais vi um cão pessoalmente. Sempre quis. Dizem terem sido extintos no século passado, eu tento acreditar. Isso não é importante, pelo menos agora. Automatizado estamos. Sinto-me - humano a cada dia, + robótico a cada minuto, - vivo a cada svedberg. Bom sinal não deve ser, mas convenhamos que nossa espécie não é motivo de orgulho há séculos. Talvez a mecanização possa trazer certa liberdade. Liberdade relativa, admito. Nada como caminhar pelos infinitos campos verdes ao som da chuva gelada que explode como milhões de little boys sobre seus ombros. Mas, que campos? Que chuva? Belíssimos campos de cinzas e pólvora são nosso legado, deliciosamente banhados por intermináveis chuvas ácidas que lavam nossa mente, alma e corpo, tão profundamente que podem atingir nossos pulmões, fígado e rins. Liberdade agora é fuga da realidade. Seu corpo, seus ossos, seus músculos, suas articulações trabalham. Sua mente, não. Tenta fugir. Tenta viajar. Tenta se libertar. E talvez consiga. Indo longe o suficiente para rever os campos verdes que nunca viu e sentir a chuva escorrer pelo seu rosto sem ter seu crânio exposto para toda a impiedosa atmosfera que nos rodeia. O bater das máquinas constante e cadenciado some. Silêncio é luxo para os mais nobres e nem eu, mero e descartável mortal com minha mente alada, posso impedir que uma sirene comece a esfaquear meus tímpanos. Mais uma chuva de metal e pólvora se aproxima. A esteira pára. Todos param. Agrupados como cordeiros, seja lá o que isso for, seguem para seus abrigos monocromaticamente coloridos. Isolamento acústico? Isolamento racional. Talvez a música das explosões e o dançar dos estilhaços possa embelezar meu dia e aliviar a dor da minha mente. Tenho vontade. Não são muitos passos. Nem muitas calorias queimadas. Olho fixamente para a porta. Respiro lenta e profundamente. Suspiro. Um passo. Dois. Crio coragem. Não suficiente. Sento e espero o céu desabar mais uma vez.

20091004

Urubu.

Certa vez criei um urubu. Achei lá pelas bandas da aldeia indígena e levei ela para criar em casa. Comia na mão e ficava lá, junto com as galinhas. Um dia enquanto passava uma revoada de urubus, a peguei olhando fixamente, e quando me dei por conta, foi-se. Levantando vôo e indo seguir seu destino. Talvez devesse ter notado que chegou a hora de ter sua própria família.