20101018

Dor.

Bizarro é pensar que em um lugar onde os sons mais altos eram pronunciados por passarinhos voando sobre minha cabeça me surgiu uma luz criativa para voltar ao mundo da criação de ruídos. Baixos distorcidos. Me empolguei. Bumbo e caixa em escalas afinadas. Gerei sons. Percussão batucando na têmpora. Achei que iria finalmente produzir o tipo de barulho que eu procurava. Mas não. Aquilo não era minha essência. Aquilo soava inconscientemente como tarefa, trabalho, obrigação. Acabou que o ruído refletiu minha essência. Se mostrou mais ruidoso que devia. Mais tenebroso que devia. Mais verdadeiro que devia. De todos os males, o menor, mas parei. Arquivei em um canto do meu drive D: aquele arquivo .flp e vou aguardar um tapa na nuca me fazer beijar o chão e me deparar novamente com aquela criatura, que cresce silenciosamente em um canto empoeirado de silício e corrente alternada. Entre um passarinho serelepe, um lagarto fanfarrão e uma cachorra cabeçuda passava um carro, com placa amarela segurada por arames enferrujados, lá que outro, para destruir a atmosfera já equilibrada entre o cantar das aves e todo a choradeira do Amado Batista. Levantava o poeirão vermelho. Encobria o orelhão enferrujado. Afinal, ali, tudo cheirava ferro. Ali, tudo era ferro. Desde a poeira levantada pelo calhambeque enferrujado até a vida daquelas pessoas que ali estavam e se deixavam estar, esperando a sua vida passar sentadas com seus sorrisos estampados na frente centenária de suas casas decoradas por crianças. Mais empoeirado que aquele timbre de baixo estava eu. As calças eram azuis, agora vermelhas. A camiseta cinza tinha marcas de patas de cachorro. Mas quem está na sujeira, que celebre a sujeira. Que viva a sujeira. Que essa sujeira seja minha libertação, para limpar minha mente da vida rotineira em meio ao concreto e o clima caótico de sempre. A sujeira limpou minha mente. O silêncio me fez criar ruídos. Com a altitude de uma serra que clama piedade, refleti sobre o tempo perdido em reclamar sobre os arranha-céus. Aquele tempo foi jogado fora. Aquela paciência havia ido para o lixo. E somente quando voltava sobre as nuvens para minha eterna prisão de concreto, notei que o meu maior inimigo ainda sou eu. Se tudo isso faz sentido, se o texto está bem escrito, se estou me cobrando o suficiente... bem, isso vou deixar para depois. Ainda não voltei a rotina de auto mutilação. Masoquista, fazer o que.

Nenhum comentário: