20101022

Síndrome de Overclock: Amaldiçoados.


Com o expediente rotineiro e robótico finalizado, tudo o que queria era partir para o inerte abrigo caseiro e adsorver de meia dúzia de minutos naquele capítulo 10, inacabado enquanto era conduzido, por máquinas, ao ranger das máquinas. Seis minutos, menos. Eram duas páginas que faltavam e não era o tipo de pessoa de deixar tarefas pela metade. Ou se fazia tudo. Ou não se fazia nada. Mas as duas páginas quebraram as regras. Quebraram seu sossego. E agora sua leitura já era obrigação. Como uma bala cega, partindo de uma arma antiga e tosca com cano cortado, rodopiava entre o mar de pessoas que tagarelava, ria alto e bufava no saguão principal como em um estereótipo de pessoas tagarelando, rindo alto e bufando em um saguão de uma megacorporação qualquer. No tilitar das suas botas galvanizadas, mal sentia a brisa externa e flutuava como um troll até o decadente e superlotado expresso 'TecLux" intermetropolitano.Coisa elegante, nas propagandas. Pessoas felizes e esbeltas com seus sorrisos, delicadamente adquiridos em algum paraíso perdido na Polinésia, em veículos lustrosos e cheirosos. Sim, eles tem a capacidade de instalar aerosóis espancando suas narinas com perfumes sintéticos, de doer os dentes, mas não tem a capacidade de manter respirável o interior daquele microondas, como carinhosamente o apelidamos. Microondas tem cheiro de infância, cheiro do museu empoleirado no qual adorava correr e espirrar pelos corredores. Merda, a porta vai fechar. Fechou. Mas já estava dentro. Lotação: máxima. Tempo de espera: 0,5s. Possibilidade de ler minhas duas páginas restantes: nenhuma. (A espera era de normalmente 5-7 minutos e isso era uma reclamação recorrente entre os frequentadores do microondas turbinado). Me acomodo em um canto qualquer e observo o florescer veloz de milhões de tons de cinza no horizonte. Um borrão monocromático que não se distinguia muito das pessoas que ali se distraiam com seus equipamentos adquiridos na feirinha ilegal do Atol. Hora de mudar de veículo. Barulho agudo ensurdecedor. Portas abrem. Portas fecham. Passo lentos em direção ao sons químicos e eletrônicos. Dentro novamente. Tempo de espera: 0s. Possibilidade de ler minhas duas páginas restantes: positiva. O aconchego em 20cm² de polietileno barato. Duas páginas consumidas. Vencidas. Fechada a réplica encardida dos antigos e nostálgicos livros de papel é levantar e sair. O destino chama. Intervalo entre o término do livro e a chegada ao local desejado: 0,3s. Sincronismo. Para alguns, maravilhoso. Mas já começo a me incomodar com esta dádiva. A pontualidade é uma maldição.

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